Conhecendo as Juízas Federais #22 – Joana Carolina Lins Pereira

    A nova entrevistada do projeto "Conhecendo as Juízas Federais" é a juíza federal Joana Carolina Lins Pereira, que ingressou na magistratura federal há 21 anos, na 5ª Região. No concurso em que foi aprovada, ocupou a segunda colocação, sendo uma das duas mulheres aprovadas no certame.

    À época, em toda a 5ª Região havia apenas 8 juízas federais lotadas. “Hoje o percentual de mulheres na magistratura da 5ª Região é de 25%. Já foi igual a zero. Acredito que ainda podemos elevar este percentual”, comenta confiante a magistrada durante o bate-papo.

    Durante a conversa, a juíza demonstrou que o cargo necessita, também, de sensibilidade. “Nossas decisões impactam a vida das pessoas e, por isso, demandam análise extremamente criteriosa e fundamentada”, explicou. E continuou: “Percebo que as decisões são melhor recebidas quando evidenciam ter sido o caso estudado e todas as soluções ponderadas. Mesmo aqueles que vêm a se tornar sucumbentes no processo tendem a reconhecer melhor a derrota quando percebem que seu caso foi objeto de um exame cuidadoso pelo(a) magistrado(a)!”, finalizou.

    Sobre conciliar as rotinas profissionais, acadêmicas e familiares, a magistrada observa que “naturalmente, sempre nos questionamos se estamos nos dedicando demais ao trabalho e menos à família, ou se estamos nos dedicando demais à família e não o esperado no trabalho”. E conclui: “Acredito que encontrar o equilíbrio é sempre o maior desafio das mães profissionais”.

    A magistrada encerra a entrevista com uma mensagem positiva. “Acredito ser relevante frisar que cada uma de nós, ao galgar degraus mais elevados, é responsável por garantir a solidez da passagem para que outras possam chegar lá. [...] que sejamos todas ‘construtoras de pontes’!”

    Leia a entrevista completa.

     

    1) Onde a Senhora começou e exerceu a sua jurisdição?

    No início, fui lotada como juíza substituta na 9ª Vara de Recife, uma vara cível, tendo como titular uma pessoa magnífica, Dr. Ubiratan do Couto Maurício. Havia poucas juízas mulheres na 5ª Região (apenas oito), das quais duas em Pernambuco. No concurso, em que logrei a segunda classificação, foram aprovadas apenas duas mulheres: eu e a amiga Niliane Meira Lima, que, coincidentemente, também era Procuradora da Fazenda Nacional, antes de assumir a magistratura.

     

    2) Quais foram as suas atuações mais relevantes?

    Já estou no 21º ano de carreira e tenho certa dificuldade em eleger as atuações mais relevantes, sobretudo porque os casos mais difíceis, mais complexos do ponto de vista técnico, certamente, não foram aqueles que chegaram ao noticiário. No início da carreira, lembro-me com satisfação de uma ligação que recebi de um grande tributarista, autor de um dos livros mais conceituados de Direito Tributário, que, sem me conhecer, telefonou para elogiar certa decisão que eu havia proferido (ele não era advogado no processo, esclareça-se), a qual, segundo ele, era a que melhor havia equacionado a questão no país. Aquilo me serviu como um importante estímulo para continuar meu trabalho e para comprovar que, mesmo sem autopromoção ou marketing pessoal, teria meu esforço reconhecido. É o meu estilo: fazer meu serviço sempre, com o máximo de dedicação e empenho. O reconhecimento, se vier, deve ser fruto do nosso comprometimento.

    Sob outro prisma (não o jurisdicional, mas o administrativo), não posso deixar de fazer menção aos quatro anos em que atuei como auxiliar da Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O TRF5 alcança seis estados, e foi ali que percebi a dimensão das consequências de nossos atos. Foi uma experiência extremamente enriquecedora.

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    Na função de juíza auxiliar da Presidência do TRF5. (Acervo magistrada)

     

    3) Quais as dificuldades que a Senhora já enfrentou?

    Felizmente, em virtude, principalmente, deste comprometimento a que me referi, sempre recebi muitos convites para assunção de funções: Turma Recursal e respectiva Presidência (quando ainda acumulávamos as funções judicantes da Turma com a Vara), Direção do Foro, Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, entre outros.

    Em certos momentos, contudo, tive que acumular todas essas funções ao mesmo tempo e daí a sensação de não estar fazendo o melhor em cada uma delas. Some-se a isto o fato de ter três crianças no ensino fundamental (à época) e um esposo trabalhando em outra cidade. Naturalmente, sempre nos questionamos se estamos nos dedicando demais ao trabalho e menos à família, ou se estamos nos dedicando demais à família e não o esperado no trabalho.

    Acredito que encontrar o equilíbrio é sempre o maior desafio das mães profissionais.

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    Como diretora do Foro, em inauguração de vara, junto com o Min. Gurgel de Faria, então presidente do TRF5. (Acervo magistrada)

     

    4) A Senhora já sofreu alguma dificuldade ou agravamento especial na profissão por ser mulher?

    Logo que saí da minha primeira licença-maternidade, enfrentei minha primeira convocação ao tribunal. O retorno ao trabalho, assim, significou não apenas o desafio de conseguir equilibrar o serviço com os cuidados ao bebê, mas trouxe consigo aquele receio de não estar atualizada o suficiente para estar ali. Havia passado quatro meses sem ler processos, doutrina ou jurisprudência. Talvez tenha surgido um pouco, ali, a chamada “síndrome da impostora”. A impressão logo se dissipou, pois, diferentemente do que imaginei, não estava desatualizada a ponto de ter meu desempenho comprometido por tal razão.

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    A magistrada durante o evento "Executando a Estratégia", do Conselho da Justiça Federal. (Acervo magistrada)

     

    5) O que é, a partir da experiência da Senhora, ser magistrada federal?

    Eu sempre me lembro da conhecida máxima “with great power comes great responsability”. Nossas decisões impactam a vida das pessoas e, por isso, demandam análise extremamente criteriosa e fundamentada. Percebo que as decisões são melhor recebidas quando evidenciam ter sido o caso estudado e todas as soluções ponderadas. Mesmo aqueles que vêm a se tornar sucumbentes no processo tendem a reconhecer melhor a derrota quando percebem que seu caso foi objeto de um exame cuidadoso pelo(a) magistrado(a).

    Outro ponto relevante a ser frisado é que, além de magistrados, nós nos tornamos gestores, haja vista que, para prestar o serviço que a sociedade espera de nós, temos que encontrar as ferramentas e as metodologias que viabilizem, não apenas a melhor solução, mas também a solução mais rápida.

     

    6) Como é administrar uma Seção ou Subseção Judiciária?

    Em Pernambuco, nós, enquanto diretores de foro, não perdemos a jurisdição, o que significa acumular as funções da vara com as atribuições administrativas da Direção. Eu diria, porém, que esta não é a parte mais difícil.

    Na Direção do Foro é que percebemos quais são as pessoas com as quais realmente podemos contar. Não são todos os que se disponibilizam a fazer mais do que suas atribuições judicantes. Louvo os colegas que dão sua quota de sacrifício em prol da coletividade. É também na Direção do Foro que entendemos tudo que está por trás da grande estrutura que é a Justiça Federal. É como se virássemos pelo avesso tudo que estamos acostumados a conhecer.

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    No auditório da JFPE, apresentando evento de Direito da Informática. (2013; acervo magistrada)

     

     

    7) Na opinião da Senhora, é possível conciliar a atividade profissional, acadêmica e familiar?

    Positivo. Reconheço que, enquanto meus três filhos eram menores, a demanda sobre mim era muito maior e muito mais desgastante. Agora que são adolescentes e, portanto, dotados de uma certa “autonomia”, posso dedicar ainda mais tempo ao trabalho e ao estudo. Em verdade, confesso que, à medida que a idade avança, com mais intensidade me vem o reconhecimento de que “só sei que nada sei” e, em consequência, um apetite insaciável por mais estudo e mais conhecimento. Digo a meus filhos que adoro aprender. Além de Direito e História, estudar línguas, por exemplo, é algo que me dá muito prazer.

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    Em sessão da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais – TNU. (Acervo magistrada)

     

    8) Qual a mensagem que a Senhora pode deixar para as mulheres que sonham ou já sonharam em seguir a carreira? 

    Disciplina, determinação e disposição são qualidades que não podem faltar a quem resolve se dedicar ao concurso. Uma vez superado este e havendo o ingresso na carreira, é necessário ter em mente que a quantidade de serviço sempre será altíssima. Nada disso, porém, deve afastar aquelas que se alimentam do desafio; ao contrário, serve-lhes de estímulo! Hoje o percentual de mulheres na magistratura da 5ª Região é de 25%. Já foi igual a zero. Acredito que ainda podemos elevar este percentual.

     

    9) O que a senhora sonha enquanto mulher magistrada?

    Com o dia em que seja muito natural sermos maioria nos colegiados dos tribunais.

    No Memorial da Justiça Federal em Pernambuco. (Acervo magistrada)

     

    10) Esta última questão na verdade é um espaço livre para a Senhora deixar alguma mensagem ou falar sobre algo que acredite que não tenha sido contemplado nas perguntas anteriores.

    Acredito ser relevante frisar que cada uma de nós, ao galgar degraus mais elevados, é responsável por garantir a solidez da passagem para que outras possam chegar lá.

    Sandra Day O’Connor, a primeira mulher a integrar a Suprema Corte dos Estados Unidos, atualmente com 92 anos, costumava citar um poema no qual um camarada abordava um peregrino e dizia (a tradução é livre): “Você está perdendo seu tempo com essa obra/Sua jornada de trabalho termina ao fim do dia/Você nunca mais vai precisar enfrentar este trecho/Já cruzou o abismo, profundo e largo/Por que construir a ponte ao entardecer?”

    O peregrino, então, respondia que a ponte estava sendo por ele construída, não para ele, que já havia cruzado o abismo, mas para que outros pudessem segui-lo.

    O poema se chama “The Bridge Builder” (“O construtor de pontes”), de uma autora americana chamada Will Allen Dromgoole, a qual, embora tenha estudado Direito com o pai, jamais pôde exercer a advocacia, não permitida às mulheres na época.

    É o lema que acredito deva ser o nosso: que sejamos todas “bridge builders”!

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