Conhecendo as Juízas Federais #13 – Carolina Malta

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    O projeto da Ajufe “Conhecendo as Juízas Federais” retoma a 2ª edição do ciclo de entrevistas com a juíza federal Carolina Malta. Com mais de 15 anos de carreira na Magistratura Federal, Carolina ingressou, aos 23 anos, como juíza federal substituta da 5ª Região, lotada na 3ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, no Recife.

    Oriunda da Procuradoria Federal da AGU, a então juíza substituta estranhou o “isolamento” proporcionado pelo novo cargo. Antes, dividia o gabinete com outros colegas procuradores e, ao entrar na magistratura, cuidava dos processos em um ambiente sozinha. “Há muita responsabilidade na tomada das decisões e um juiz de primeiro grau não pode compartilhá-la com quem quer que seja”, explica Malta.

    Entre 2004 e 2020, a magistrada passou por vários setores do Poder Judiciário da 5ª Região. Atualmente, como vice-diretora do Foro da Seção Judiciária de Pernambuco, Malta cuida de vários processos. Um deles tornou-se icônico para a Justiça Federal, por se tratar do primeiro caso de júri federalizado do Brasil.

    A função de juíza federal, no entanto, nem sempre foi tranquila. Carolina prestou concurso na Região da Justiça que possuiu o menor índice de mulheres na carreira: o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5). A Corte teve em seu quadro apenas uma desembargadora federal, Margarida Cantarelli, hoje aposentada, que ingressara pelo Quinto Constitucional - uma situação que diminui a visibilidade feminina na carreira e aumenta determinadas dificuldades sociais.

    “Passei por inúmeras situações de desencorajamento, vários comentários, inclusive entre amigos, que qualificavam a profissão de juiz como um trabalho que não devia ser desempenhado por mulheres, alertando o risco de trabalhar sozinha no interior, o risco de trabalhar no âmbito criminal, entre outros. Após a posse, no início da carreira, só enfrentei situações muito isoladas de desrespeito, a maior parte em sala de audiência, em que precisei cobrar o respeito”, afirma a magistrada.

    Carolina Malta é também autora do artigo “Quer ser juiz? Quer mesmo?”, publicado em seu portal virtual (www.rehabjuridico.com.br), com mais de um milhão e meio de acesso em mais de 10 países. Além de possuir uma conta no Twitter (@CarolinaMalta) com mais de 70 mil seguidores, na qual explica termos jurídicos e artigos do Código Penal brasileiro a partir de vídeos, gifs, imagens, e memes com muito bom humor.


    Leia abaixo a entrevista completa!

    1) Onde a senhora começou e exerceu a sua jurisdição?

    Eu tomei posse como Juíza Federal Substituta da 5ª Região aos 23 anos, no dia 15/12/2004, antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004, que passou a exigir 03 (três) anos de exercício de cargo privativo para bacharel em Direito como requisito para a posse. Como Juíza Federal Substituta, fiquei lotada diretamente em Recife, na 3ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco (Vara Cível), de 15/12/2004 até 24/11/2009. Atuei, concomitantemente, como Membro Suplente da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco, no biênio de 21/04/2006 a 21/04/2008, e, depois, como Membro Efetivo da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco, de 22/04/2008 a 25/11/2009, sempre mantendo a lotação e a jurisdição na 3ª Vara Federal de Pernambuco. Fui promovida por merecimento a Juíza Federal Titular, em novembro de 2009, e atuei no interior do Estado, nas Subseções de Serra Talhada (18ª Vara) e Petrolina (17ª Vara), Varas com competência comum, e, por fim, em Caruaru (31ª Vara), Vara dos Juizados Especiais Federais. Quando voltei para Recife, atuei na 19ª Vara de Pernambuco, com jurisdição exclusiva para as ações dos Juizados Especiais Federais, e hoje tenho lotação na 36ª Vara de Pernambuco, com competência exclusiva criminal, para ações penais em geral e especializada para a execução penal federal e para o júri federal. Desde abril de 2019, exerço também a função de Vice-Diretora do Foro da Seção Judiciária de Pernambuco.
    Carolina Malta 2

    Em 2009, na posse como Juíza Federal Titular em Pernambuco

    2) Quais foram as suas atuações mais relevantes?

    A atuação de maior repercussão da carreira, sem dúvida alguma, foi ter presidido o primeiro júri federalizado do Brasil, no dia 15/04/2015, Caso Manoel Mattos, cujo deslocamento para a Justiça Federal foi fundamentado em grave violação dos direitos humanos (art. 109, § 5º, da CF). Foi o primeiro Incidente de Deslocamento de Competência acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça no Brasil, ensejando a distribuição para a Justiça Federal e, posteriormente, o desaforamento do caso da Paraíba para Pernambuco. Ao longo de quinze anos de magistratura, tive inúmeros outros casos relevantes, mesmo sem repercussão, relativos ao julgamento de causas previdenciárias, com pessoas em situação de extrema vulnerabilidade; ações civis públicas; ações de improbidade administrativa; ações penais em geral e ações penais dificílimas, relativas a abuso e exploração sexual infantil. Outras atuações igualmente importantes dizem respeito ao trâmite das execuções penais, especialmente no que toca à destinação dos valores das prestações pecuniárias. Apenas nos últimos três anos pudemos concluir na 36ª Vara Federal procedimentos de destinação de quase R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), na forma determinada na Resolução nº 154/2012, do CNJ, propiciando a realização de inúmeros projetos com a sociedade civil, nas entidades públicas e privadas, além de importantes projetos de segurança pública, em conjunto com a Secretaria de Ressocialização do Estado, melhorando as condições do Sistema Penitenciário de Pernambuco.

    3) Quais as dificuldades que a senhora já enfrentou?

    A primeira dificuldade, certamente, foi iniciar a jurisdição no dia seguinte à posse. Na época em que passei no concurso, não havia curso de formação como fase do concurso e anterior ao exercício da jurisdição. Muito embora houvesse a preparação inerente à aprovação no concurso, faltava experiência e maior contato anterior com a rotina de trabalho. Recordo que esta transição poderia ter sido traumática e demandou bastante esforço de minha parte, sobretudo para vencer qualquer constrangimento e procurar colegas mais experientes para tirar as mais diversas dúvidas. Outra dificuldade inicial e que me causou estranhamento foi a sensação de isolamento do juiz. Trabalhava anteriormente como Procuradora Federal da AGU, dividindo uma sala com outros quatro procuradores e, ao assumir a magistratura, lembro-me bem da sensação de solidão. O lado positivo foi o de sempre ter encontrado muito apoio nos meus colegas de concurso, nos colegas mais antigos na carreira e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Nunca tive qualquer dificuldade que não pudesse ser conversada e dividida com os colegas e para a qual não se encontrasse uma solução, sendo importante que o juiz não se isole tanto, posto que a profissão, por si só, já traz esta sensação. Há muita responsabilidade na tomada das decisões e um juiz de primeiro grau não pode compartilhá-la com quem quer que seja. No âmbito criminal já recebi xingamentos por e-mail, o que ensejou a punição do ofensor.

    4) A senhora já sofreu alguma dificuldade ou agravamento especial na profissão por ser mulher?

    Antes de me tornar magistrada, passei por inúmeras situações de desencorajamento. Vários comentários, inclusive entre amigos, em que qualificavam a profissão de juiz como um trabalho que não devia ser desempenhado por mulheres, alertando o risco de trabalhar sozinha no interior; o risco de trabalhar no âmbito criminal; entre outros. A admiração que eu tinha pela atividade da magistratura, o apoio da família e o desejo de me tornar juíza eram maiores que tais comentários e me impulsionavam a estudar e a ir adiante. Após a posse, no início da carreira, só enfrentei situações muito isoladas de desrespeito, a maior parte em sala de audiência, em que precisei cobrar o respeito. Já fui convocada algumas vezes para atuar no Tribunal Regional Federal da 5ª Região e, apesar de o Tribunal nunca ter tido uma juíza de carreira em sua composição, sempre fui bem tratada e respeitada pelos Desembargadores. Reconheço, porém, que sinto muitas saudades da Dra. Margarida Cantarelli, única mulher a ser promovida Desembargadora Federal no nosso Tribunal, pela vaga do quinto constitucional, hoje aposentada. Recordo-me de tê-la procurado em uma situação de desrespeito que vivenciei e ter encontrado abertura para tratar do assunto com uma pessoa que, por ser mulher, tinha passado por situações semelhantes. No momento atual, não vivencio qualquer situação de desrespeito e acredito que o fato de ser mulher nunca me trouxe efetivamente qualquer desvantagem.


    Carolina Malta 4                                                                                       No IV FONACRIM, em 2014, a juíza federal Carolina Malta fala sobre “Garantismo Penal no Brasil”

    5) O que é, a partir da experiência da senhora, ser magistrada federal?

    Para mim, é um sonho realizado, uma realização profissional e, ao mesmo tempo, um grande desafio. Em razão de aprovações em concursos anteriores, eu poderia ter escolhido profissões menos exigentes, com menor cobrança, menor responsabilidade e salário equivalente, mas sinto-me vocacionada para a magistratura e não me vejo exercendo outra carreira jurídica.

    Como já escrevi anteriormente no texto “Quer ser juiz? Quer mesmo?”, que publiquei em meu site e em que questiono a vocação das pessoas que se dirigem a fazer o concurso, a profissão tem pouco ou quase nada do “glamour” que a ela se atribui. A pessoa, ao decidir abraçar esta atividade, deve estar atenta, desde sempre, que a solenidade de antigamente hoje corresponde a uma atuação silenciosa e quase operária, visando à diminuição da quantidade de processos e à busca pela realização dos atos processuais da forma mais rápida possível, a despeito de inúmeras dificuldades estruturais, e tudo com uma forte cobrança social e também interna. Assumir a magistratura federal, para mim, foi como assumir um compromisso e sempre fiz questão de me recordar, diariamente, desde a posse, há quinze anos, que: há pessoas atrás dos processos; que assumi, antes de tudo, um compromisso de celeridade e respeito com o jurisdicionado; que preciso trabalhar sem me preocupar em buscar o reconhecimento do Tribunal ou de quem quer que seja, porque o trabalho é voltado para alcançar a finalidade diuturna e simples de entregar a cada um o que é seu; que tenho a obrigação de trabalhar dias e noites a fio para cumprir da melhor forma a minha função; que não posso sossegar enquanto tiver processos aguardando decisão/sentença, que representam pessoas aguardando uma resposta; que a resposta, ainda que negativa, deve ser rápida, para propiciar à parte a possibilidade de recorrer; que cada pedido de habilitação representa uma pessoa que morreu aguardando uma resposta do Judiciário; entre outros.

    6) Como é administrar uma Seção ou Subseção Judiciária?

    Atuei como Subdiretora das Subseções Judiciárias de Serra Talhada (2009), Petrolina (2010 a 2011), Caruaru (2011 a 2013) e, atualmente, sou Vice-Diretora do Foro da Seção Judiciária de Pernambuco (Recife). Como Subdiretora, os desafios eram menores, pois não atuava como ordenadora de despesas. As demandas administrativas precisavam ser submetidas à Direção do Foro, na sede da Seção Judiciária, o que fazia com que as possibilidades de atuação fossem mais limitadas. Em algumas situações, de interesse eminentemente local, recordo-me de ter pedido autorização à Direção do Foro para fazer reuniões e tentar resolver o problema. No momento atual, como Vice-Diretora, tenho sido convidada pelo atual Diretor do Foro, Dr. Frederico Azevedo, a sempre participar das decisões e tenho aprendido bastante. O maior desafio atual é equilibrar as contas e encontrar alternativas de gestão frente às limitações orçamentárias, após a EC nº 95/2016 (teto dos gastos públicos).

    Carolina Malta 5                                                                                                     No registro, a magistrada em seu gabinete na Seção Judiciária de Pernambuco

    7) Na opinião da senhora, é possível conciliar a atividade profissional, acadêmica e familiar?

    É extremamente desafiador. Considero que tive sorte por ter sido aprovada no concurso para a magistratura muito nova, aos 23 anos, ter feito o mestrado na UFPE pouco após a aprovação e ter sido promovida a Juíza Titular quando ainda era solteira, sem filhos. Depois de constituir família e ter filhos, torna-se muito difícil para a mulher a decisão de pedir uma promoção e ir para o interior, em regra deixando os filhos durante a semana. Por isso, é muito comum que a mulher magistrada opte por nunca se titularizar e abandone qualquer perspectiva de progressão na carreira. A necessidade de conciliar a atividade profissional, acadêmica e familiar é especialmente difícil para a mulher por tais motivos, pois, em regra, todo o funcionamento da casa, cuidados com as crianças e os mais variados detalhes ficam sob sua responsabilidade, trazendo esta decisão de abrir mão de maiores aspirações profissionais. Para a mulher é comum ter que escolher entre uma coisa ou outra. No meu caso, como dito, a minha família foi estruturada quando eu já estava promovida e lotada em Recife, o que torna possível conciliar, mas reconheço que todas as necessidades de afastamento, para viagens a trabalho, são especialmente difíceis.

    8) O que a senhora sonha enquanto mulher magistrada?

    Sonho com um número bem maior de mulheres na carreira, especialmente no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que não possui nenhuma desembargadora, e nos Tribunais Superiores. É preciso haver um equilíbrio maior nas composições, posto que tal representatividade despertará maior interesse na carreira pelas mulheres. Historicamente, houve, sem dúvida, uma evolução e um aumento no número de mulheres juízas, mas é preciso reconhecer que ainda estamos em desvantagem.

    9) Qual a mensagem a senhora pode deixar para as mulheres que sonham ou já sonharam em seguir a carreira?

    Estimulo as mulheres a questionarem a sua vocação e, se estiverem dispostas a assumirem este compromisso com o próximo, que é a carreira da magistratura, abracem este sonho e persigam até realizá-lo. É muito importante que as mulheres se espelhem em tantas outras que já conseguiram e vejam que é um sonho plenamente possível de ser realizado. Espero, sinceramente, que muitas outras mulheres possam abrilhantar as carreiras da magistratura, trazendo um olhar mais sensível. Uma vez aprovadas, porém, meu desejo é que trabalhem muito para serem as melhores juízas possíveis, respeitando sempre o compromisso com a coletividade e cientes da responsabilidade que esta carreira impõe. Nunca fui favorável a qualquer postura de vitimização e nunca sofri preconceito por ser mulher. Penso, porém, que, em um cenário em que nitidamente somos minoria, é a partir de um trabalho muito bem feito e com muita dedicação que nos afirmamos a cada dia.

    Carolina Malta 3                                                                                                                                   Na foto, a juíza federal atuando em uma audiência

    10) Deixe alguma mensagem ou fale sobre algo que acredite que não tenha sido contemplado nas perguntas anteriores.

    Por inúmeros motivos, sobretudo relacionados a questões familiares, as mulheres relutam em ocuparem determinados espaços. As inúmeras exigências do cotidiano e a necessidade de priorizar a questão familiar muitas vezes colocam as mulheres em situação de escolha, contentando-se com pequenas aparições ou até renunciando a qualquer progressão. A mensagem que eu gostaria de transmitir seria no sentido de estimular as mulheres a preencherem os espaços que lhes são oferecidos, sempre que as oportunidades surgirem. É preciso, em tais momentos, reunir coragem, encontrar apoio da família e aproveitar as oportunidades. Penso não ser possível queixar-se da falta de representatividade quando as vagas para promoção surgem e nenhuma mulher se candidata e quando recusam outras oportunidades que lhes são oferecidas. É uma mensagem que também dirijo a mim mesma

     

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