Brasil e covid-19: uma bomba-relógio

    Artigo escrito pelo desembargador federal do TRF3 Fausto De Sanctis, publicado pelo Estadão.

     

    Com a covid-19, observou-se o incremento de demandas sociais e econômicas que, por gerarem elevada tensão e ansiedade na vida cotidiana, alimentadas pelo quadro dissonante dos governantes, contribuem para a instabilidade política. A emergência sanitária transmutou-se em um vulcão adormecido, que se vê prestes a uma erupção diante do iminente acirramento das crises social, econômica, fiscal e política, com consequências irreversíveis, caso não sejam a tempo administradas.

    A esperança dos governos estaria pautada na disponibilização de uma vacina, mas, sabe-se que esta não seria possível no exíguo tempo que o arrefecimento dos conflitos reclama.

    A questão não é de fácil equacionamento, mas, dada a dimensão da pandemia, as soluções a serem buscadas necessitam estar à altura das exigências e expectativas da população e não poderiam ficar adstritas a cada nível de governo, em ações isoladas e estanques. A cooperação é imprescindível em todas as esferas, num verdadeiro impulso político e de compromisso para estabelecer um diálogo continuado, prospectivo e aberto para as respostas necessárias.

    O distanciamento, o egocentrismo, a megalomania não nos têm levado a parte alguma, como uma enceradeira que, sem rumo, gira, gira e gira sobre si mesma, impondo a todos a perpetuação dos sacrifícios, traduzida numa longa quarentena e isolamento, com um  desnecessário custo.

    A irresponsabilidade aplica-se a todas as partes e o cuidado em não politizar uma pandemia deveria ser um vetor a ser seguido porquanto em jogo estão vidas humanas, o futuro da nação e as perspectivas de milhares de pessoas. Proteger vidas, prevenindo ou minimizando os efeitos da pandemia na sociedade, demanda atuação em conformidade e em sintonia com o direito de todos a viver com dignidade e não padecer de fome, evitando, assim, a morte por inanição.

    Evidentemente a ciência importa e possui primazia, mas não se poderia alocar todo o poder em suas mãos. Não seria recomendável colocar em risco os meios de subsistência de populações vulneráveis de molde que a limitação ao direito inalienável de todos ao trabalho, ao acesso à educação e ao exercício da soberania individual requer um tempo adequado e programado de abstinência.

    Está-se, pois, diante da presença simultânea dos efeitos extremos do risco de padecimento:  impossível decidir-se entre morrer de fome ou pela doença. Difícil ação pendular!

    A saúde humana é um direito inalienável e primordial, tampouco devemos desprezar o centro de gravidade e nos arriscarmos a ignorar e a comprometer direitos humanos das liberdades, de desfrutar da vida, da felicidade, do regresso ao trabalho com segurança e dignidade.

    Uma quarentena mal planejada e sem perspectiva de se ultimar constitui fator de desunião, de desagregação, de violência e de instabilidade e não contribuiria a uma reconciliação nacional.

    Em assim sendo, a equação custo-benefício importa. Deve-se ter como norte o exame dos possíveis benefícios e dos custos das medidas ou da ausência destas, submetendo-os a uma revisão à luz de novas evidências científicas. Estabelecer quem seria responsável por estas para uma avaliação mais exaustiva dos elementos de risco. Assim, estaria assegurado o uso responsável dos recursos disponíveis, que são limitados, e seria feito uso da ciência como importante instrumento para proteger a saúde das pessoas.

    A ciência sozinha, assim como os políticos insulados, exarando decisões às portas fechadas, não devem chegar às melhores soluções. Todos os interessados no processo de gestão de risco devem ser ouvidos para a obtenção do nível de consenso e responsabilidade compartilhada.

    As cifras já são conhecidas, dentre elas, taxas de transmissão, mortalidade e contágio associadas à gravidade da enfermidade, de molde já ser possível a obtenção da justa adequação entre os exponenciais riscos e as medidas adotadas. A aplicação legítima do Preceito da Precaução exige transparência quando se tem presente a insegurança em torno dos riscos para a saúde humana e de nossas comunidades.

    Portanto, nenhuma decisão deve partir do alto de um trono, senão em estreita colaboração entre as autoridades e as populações afetadas, com os inerentes riscos que se desejam assumir, evitando-se a encruzilhada entre política e ciência.

    Não se deve permitir a sobrecarga da ciência sobre a política, e vice-versa, com a inexorável geração de políticos receosos que, se tiverem de assumir sozinhos a responsabilidade de uma decisão complexa, não se atreverão a tomar decisão alguma. Daí porque o consenso científico-político-social impõe-se para garantir a desativação dessa questão brasileira que constitui uma verdadeira bomba-relógio.

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