Contratação de Esata Ilegal pode ser crime

Matéria originalmente publicada pela Revista Em Solo - ABESATA.

Foco da Justiça hoje está mais nos gestores, aqueles que o Código Penal chama de garantidores da segurança. Especialmente quando estes fazem opções com menor segurança

“Crimes Aeronáuticos”, de Marcelo Honorato, já pode ser considerado um best-seller. Em uma área com tão pouca bibliografia, a obra já está na terceira edição e tem motivado palestras com o Juiz Federal Titular no Brasil e em vários países da América Latina. O fato é que Honorato preencheu uma lacuna importante, justamente quando o Brasil deu um passo igualmente importante, criando uma lei capaz de separar as duas investigações em caso de acidente aéreo, a criminal e a de prevenção de novos acidentes. A lei 12.970, de 2014, vem sendo considerada modelo para outros países.

Honorato conversou com exclusividade com a reportagem do Em Solo sobre o sucesso do livro, a legislação brasileira e a mudança de cultura na indústria aeronáutica quando o assunto é criminalização.

“No passado, quase sempre, a culpa era do piloto ou do mecânico em um acidente. Hoje, já se sabe que o problema é maior, um acidente decorre de uma situação de ‘doença’ na empresa e o foco está nos gestores, que têm sido condenados inclusive”.

Por que o tema Crimes Aeronáuticos tem atraído tanta atenção?

Na verdade, todo mundo sempre me perguntava sobre o assunto por causa da minha experiência como Investigador de Acidentes Aeronáuticos pelo Cenipa – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – e eu fui colecionando casos, que posteriormente coloquei no livro.

Mas fui além dos acidentes e trato ali de questões como sequestro, táxi aéreo pirata e outros problemas.

Antes havia uma restrição à criminalização do acidente aéreo, não havia?

Sim, mas isso mudou, pouco a pouco se enxergou que havia dois caminhos a serem seguidos: o da prevenção de novos acidentes e um outro que é da punição e do ressarcimento das vítimas.

De onde veio o projeto de lei?

O projeto nasceu logo depois do acidente do voo 1907 da Gol em 2006, mas só foi aprovado em 2014. Naquela época, o Cenipa recebia a caixa preta de uma aeronave envolvida em um acidente e a polícia tinha dificuldade de produzir uma investigação, às vezes, era até cômodo aproveitar a investigação do Cenipa como uma prova criminal. O acidente da Gol deflagrou esse processo legislativo porque os controladores de voo não quiseram dar informações com medo de se comprometer. Havia uma mistura entre a investigação para prevenção e a investigação policial. A lei 12.970 separou as duas investigações e agora as pessoas se sentem protegidas para falar aquilo que vai ajudar na prevenção, sem se comprometer.

Agora voltando o olhar para o ground handling, a Abesata lançou uma campanha de combate à chamada Esata ilegal, aquela que não cumpre os requisitos para atuar no sítio aeroportuário, mas que acaba competindo com preços mais baixos.

As empresas aéreas ou aeroportos que contratam uma Esata ilegal podem responder criminalmente em caso de acidente ou incidente?

Sim, se o acidente ou incidente for resultado da falta de cumprimento de algum requisito legal exigido de uma Esata. Por exemplo, se faltou treinamento na empresa e isso a torne irregular, ou outro requisito previsto nos regulamentos das ESATAs, gerando um sinistro aéreo, quem contratou pode ser responsabilizado criminalmente.

Como funciona isso?

A responsabilidade criminal decorre do fato de a empresa contratante – companhia aérea ou aeroporto – ter consciência de que está contratando uma empresa irregular. Se sabe, pode responder criminalmente em caso de acidente/incidente ou mesmo por ter colocado em perigo a operação da aeronave. Exemplo, um incidente no push back causado pelo uso de um garfo inadequado por parte da empresa pirata contratada, aqui, pode haver o delito de atentado contra a segurança do transporte aéreo.

Contudo, se operador foi enganado pela contratada ilegal, que omitiu a informação de que não é habilitada, situação mais comum na aviação geral, nem precisa haver algum incidente para que a Esata irregular seja processada por estelionato. Na realidade, nem mesmo a prestação de qualquer serviço pela Esata irregular precisa ter ocorrido, basta que a empresa pirata tenha firmado o contrato para prestar um serviço para o qual não estava habilitada, induzindo a erro o contratante, para que seja acusada pelo crime de estelionato.

E o senhor falava em agravamento da pena para quem tem consciência do que está fazendo?

Sim, companhias aéreas e aeroportos conhecem as regras da ANAC, por exemplo se contratam uma empresa que não cumpre estas regras, terão a pena agravada porque tinham conhecimento desta necessidade. O juiz confere uma pena maior quando percebe que a empresa estava consciente da ilicitude e queria obter vantagem financeira indevida.

O que mudou nos últimos anos?

Antigamente, de cara já se imaginava que o piloto ou o mecânico tinham alguma culpa quando envolvidos em um incidente ou acidente. Hoje já se sabe que o acidente ou incidente é causado por algo maior, a empresa está doente de alguma forma, e isso é causado, frequentemente, ou de forma concorrente, por decisões de gestores que levam à redução da segurança. Cortam treinamentos, por exemplo.

E eles são condenados?

Sim, o Código Penal chama estas pessoas de garantidores da segurança; então quando eles fazem opção por menor segurança podem ser penalizados se essa omissão contribuir para um acidente aeronáutico. No acidente da TAM, com o voo 3054, houve a abertura de processo criminal contra o alto escalão da empresa e a área de safety, embora todos tenham sido absolvidos ao final, o caso retrata a importância que o Ministério Púbico tem dado às ações gerenciais na investigação criminal de um acidente aeronáutico. No acidente do voo 4815 da Rico, com 33 vítimas fatais, foram condenados o presidente e o presidente-administrativo, que respondia pela área de compras e serviços. Ficou provado que foram tomadas decisões de corte de treinamento em simulador e CRM e essa deficiência em treinamento foi uma das causas do acidente aéreo. Por isso, hoje a investigação criminal tem vasculhado a questão organizacional das empresas do modal aéreo.

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