Em carta, juízes pedem criação de fórum para combater discriminação racial

Ao final do "II Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros", que ocorreu até sábado passado no Auditório Sepúlveda Pertence do TJDFT, em Brasília (DF), os participantes elaboraram a Carta de Brasília.

O documento traz apontamentos e reflexões importantes acerca da discriminação racial no país e pede ao Conselho Nacional de Justiça a criação de um fórum permanente visando o enfrentamento de questões relativas à desigualdade. A proposta solicita que, por meio desse fórum, haja ações de fortalecimento das diretrizes de formação de magistrados, definidas e praticadas pela Escola Nacional de Magistratura, no que concerne ao combate a todas as formas de discriminação e violência racial.

O evento, apoiado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), foi promovido pela AJURIS e pela Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis-DF), e reuniu magistrados, professores, estudiosos, membros do Ministério Público, defensores, advogados, estudantes e cidadãos com o objetivo de fortalecer o debate em torno da promoção da igualdade racial.

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À esquerda, a juíza federal Adriana Cruz, associada da Ajufe, participa de debate no II ENAJUN

 

Leia abaixo a íntegra da Carta de Brasília:

CARTA DE BRASÍLIA 2018

Os participantes do II Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros - ENAJUN, realizado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, entre os dias 8 e 10 de novembro de 2018, a partir das conclusões decorrentes das exposições e debates realizados ao longo do evento, à vista dos dados do Censo do Poder Judiciário 2018, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, que revelaram que apenas 18,1% da magistratura nacional é negra, derivando-se desse conjunto um total de 16,5% de pardos e 1,6% de pretos, bem como que do universo de 38% de juízas, o número de magistradas autodeclaradas pretas estabeleceu-se entre 1% e 2% por ramo de jurisdição, reafirmam a evidente desigualdade racial na composição do Poder Judiciário do Estado brasileiro, que não reflete a pluralidade presente na sociedade, a qual é majoritariamente feminina, preta e parda.

Esses dados, associados a tantos outros, que apontam a negritude como um marcador social que desiguala para pior, demandam, de forma cada vez mais premente, que se estabeleça reflexão e debate sobre o racismo em todos os planos em que se manifesta, assim também ações efetivas para seu enfrentamento. Nesse sentido, 

considerando que no I ENAJUN os participantes tiveram oportunidade de refletir sobre a limitada representação da população negra nos espaços de poder;

considerando ser o Estado brasileiro parte na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (Resolução da ONU 2016-A, 1965), na qual se afirma a necessidade de desenvolvimento das políticas de eliminação de qualquer forma de discriminação, defendendo-se tratamento igualitário em direitos políticos, civis, econômicos, sociais e culturais;

considerando que a participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de modificação das estruturas institucionais do Estado, para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica, conforme dispõe o artigo 4ª, III, da Lei 12.288/2013 (Estatuto da Igualdade Racial), bem como as disposições dos incisos II, IV e V do mesmo artigo, e dos artigos 38, caput e inciso II; 39, caput e § 2ª, todos, especialmente o que consta de seu artigo 4ª, III, e;

considerando a relevância e imprescindibilidade do Poder Judiciário para a efetivação dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, deliberam:

APRESENTAR ao Conselho Nacional de Justiça proposta de criação de fórum permanente, visando ao enfrentamento das questões atinentes à discriminação racial na sociedade brasileira e, especialmente, no Poder Judiciário, com o objetivo de viabilizar, entre outras ações, o fortalecimento das diretrizes de formação de magistrados, definidas e praticadas pela Escola Nacional de Magistratura, no que concerne ao combate a todas as formas de discriminação e violência, assim como produzir conhecimento que sirva de apoio à adoção de ações concretas para a identificação, prevenção e superação da discriminação institucional, no âmbito de todos os tribunais da federação brasileira, promovendo assim a igualdade e a diversidade nas suas relações com o público interno e externo, removendo obstáculos para a inserção de grupos vulnerabilizados em todas as esferas de Poder.

RATIFICAR a Carta de Brasília 2017, relativa ao I ENANJUN, reconhecendo inexpressiva a representatividade de juízas e juízes negros no Poder Judiciário Brasileiro, se comparada ao percentual de 53, 6% da população negra brasileira, configurando-se a maioria étnica do pais;

REENCAMINHAR moção à ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB, solicitando seja aprovada a criação da Secretaria da Igualdade Racial no âmbito da referida instituição, objetivando a realização de estudos sobre a matéria pertinente, bem como expedir proposições, tanto para a diminuição da desigualdade racial na magistratura brasileira como para aperfeiçoar a legislação sobre políticas raciais no Brasil;

Brasília, 10 de novembro de 2018

 

 

 

 

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