O Superior Tribunal de Justiça e os principais precedentes

     

    Artigo escrito pelo ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do STJ e corregedor-geral da Justiça Federal.

     

    Sumário: 1 – Breve histórico acerca do surgimento do Tribunal da Cidadania; 2 – A Emenda Constitucional n. 125/2022 e a relevância da questão de direito em recurso especial; 3 – Precedentes relevantes do Superior Tribunal de Justiça; 4 – Conclusão; 5 – Referências.

     

    1. Breve histórico acerca do surgimento do Tribunal da Cidadania

    O Superior Tribunal de Justiça - STJ, criado pela Constituição da República de 1988 para ser o guardião do direito federal, uniformizando a interpretação da legislação infraconstitucional, funciona, na verdade, como o grande “Tribunal da Cidadania”[1]. Instalado em 7 de abril de 1989, ano seguinte à promulgação da Carta, a criação da Corte foi precedida de amplo debate, especialmente sobre o funcionamento do Judiciário no Brasil.

    Em boa medida, o STJ é um desmembramento do Supremo Tribunal Federal - STF, assoberbado naquela virada da história (1988)[2] com os recursos extraordinários que tanto controlavam a constitucionalidade das leis como realizavam a adequada interpretação do direito infraconstitucional, sem contar o restante da competência originária e o controle concentrado de constitucionalidade.

    Para se ter ideia de tempo acerca desse debate sobre o grande volume de recursos para o STF, releva mencionar o evento histórico ocorrido em 1965, convocado pelo Conselho Diretor do Instituto de Direito Público e Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas - FGV, consistente em mesa-redonda composta por ilustres juristas para discutir a “Reforma do Poder Judiciário” e, nesse âmbito, a viabilidade da criação de um Tribunal Superior, para julgar recursos extraordinários relativos ao direito federal comum.

    A proposta então apresentada pelo professor Miguel Reale recebeu apoio unânime dos participantes. Concluídos os trabalhos, constou do extenso relatório apresentado pelo grupo de juristas[3]:

    Decidiu-se, sem maior dificuldade, pela criação de um novo tribunal. As divergências sobre a sua natureza e o número de tribunais que a princípio suscitaram debates, pouco a pouco, se encaminharam por uma solução que mereceu afinal o assentimento de todos. Seria criado um único tribunal que teria uma função eminente como instância federal sobre matéria que não tivesse, com especificidade, natureza constitucional, ao mesmo tempo que teria a tarefa de apreciar os mandados de segurança e habeas corpus originários, os contra atos de Ministros de Estado e os recursos ordinários das decisões denegatórias em última instância federal ou dos Estados. Assim também, os recursos extraordinários fundados exclusivamente na lei federal seriam encaminhados a esse novo Tribunal, aliviando o Supremo Tribunal de uma sobrecarga.

    Por outro lado, embora não tenha substituído o extinto Tribunal Federal de Recursos - TFR, a então mais elevada instância do sistema de Justiça Federal – sobretudo porque o Superior é nitidamente um Tribunal de Superposição, não há negar que seu surgimento sofreu influência do antigo TFR, cuja criação ocorreu com a Constituição Federal de 1946.

    É que, já em 1965, a Emenda Constitucional n. 16, 26 de novembro de 1965, introduziu alterações à Constituição, dispondo no art. 6º a nova composição do Poder Judiciário, na qual constavam, como órgãos daquele Poder, o TFR e Juízes Federais, além do STF, Tribunais e Juízes Militares, Eleitorais e do Trabalho.

    Destarte, antes mesmo que fosse promulgada a Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, o Presidente do TFR editou o Ato n. 1.141, de 6 de setembro daquele ano, por meio do qual foram criadas, em caráter temporário, comissões incumbidas de apresentar estudos e sugestões para a implantação do STJ, bem como dos respectivos Tribunais Regionais Federais - TRF’s.

    Até a efetiva instalação da nova Corte de sobreposição, a Suprema Corte foi incumbida das atribuições e competências definidas na ordem constitucional precedente (art. 27, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT).

    Nesse passo, nos termos dos arts. 27, I e II, do ADCT da Constituição Federal de 1988 e 2º da Lei n. 7.746, de 3 de março de 1989, ficou definido que a composição inicial do STJ seria integrada pelos Ministros do extinto TFR, observadas as classes de que provinham quando da nomeação, bem como pelos Ministros necessários para completar o número estabelecido - 33 Ministros.

    Em 10 de abril de 1989, entrou em vigor o Ato Regimental n. 1, elaborado pelos Ministros do STJ, a versar sobre a organização da Corte e a competência do Plenário, da Corte Especial, das Seções e das Turmas, além do registro, classificação e distribuição dos feitos.

    Assim, com sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional, o STJ compõe-se de 33 ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, entre brasileiros entre 35 e 70 anos[4], de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

    Marinoni acrescenta que a posição do STJ “no sistema lhe confere a última palavra no que concerne à atribuição judicial de sentido ao direito federal”. Segundo conclui, não é o caso de simplesmente dizer que os tribunais inferiores estão submetidos ao STJ, mas de perceber que devem respeito ao direito delineado pela Corte que, no sistema judicial, exerce função de vértice[5].

    Em 2004, após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Emenda Constitucional - EC n. 45, de 2004 – conhecida como Reforma do Poder Judiciário – cuidou de alterar os artigos da Carta Magna, notadamente quanto ao procedimento de escolha dos integrantes do STJ, às atribuições conferidas pelo Constituinte e ao funcionamento do Tribunal.

    Além disso, a EC n. 45/2004 trouxe modificações nas competências do Tribunal Superior do Trabalho - TST, Tribunais Regionais do Trabalho - TRT’s, TRF’s, da Justiça Militar e dos Tribunais de Justiça[6].

    Em relação ao STJ, a redação do art. 104, anterior à reforma promovida pela EC n. 45/2004, previa maioria simples do Senado como quórum para aprovação do pretendente indicado ao cargo de Ministro. Após a emenda referida, assim como para escolha dos Ministros do STF, a maioria absoluta dos membros do Senado passou a ser exigida, regra essa mantida pela EC n. 122/2022. Em realidade, a alteração operou verdadeira padronização no quórum de escolha para indicações de Ministros do STF, STJ, TST (art. 111-A), Conselho Nacional de Justiça - CNJ (art. 103-B, § 2º) e Ministério Público (art. 130-A), estes últimos criados pela emenda.

    A partir da promulgação da EC n. 45/2004, outras importantes inovações se verificaram, tais como a transferência de competência do STF para o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e concessão de exequatur às cartas rogatórias (arts. 102, I, h – revogada – e 105, I, i, da CF/1988 e art. 9º da EC n. 45/2004). Outrossim, o STJ manteve, em recurso especial, o julgamento de atos de governos locais contestados diante de leis federais (arts. 102, III, d, e 105, III, b).

    Houve, ainda, a criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - Enfam, abrigada pelo STJ, responsável por regulamentar cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira de juiz, entre outras funções.

    O Conselho da Justiça Federal - CJF, que já era ligado ao STJ, teve atribuições ampliadas, pois, além da supervisão administrativa e orçamentária, assumiu também poderes correcionais de caráter vinculante (art. 105, parágrafo único, I e II).

    Em se tratando de recurso especial, o STJ, ao apreciar a alegada violação legal, poderá aplicar “o direito à espécie, com observância da regra prevista no art. 10 do Código de Processo Civil” (art. 255, § 5º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ).

    Ao contrário do que acontece em Cortes de Cassação puras (por exemplo, França, Itália e alguns outros países da Europa Continental, onde o Tribunal Superior, equivalente ao STJ, em regra, apenas proscreve a decisão para outra ser proferida novamente pela Corte da instância anterior), no Brasil, o STJ pode, ao apreciar o recurso, desde logo aplicar a regra jurídica ao caso concreto.

    A Súmula n. 456 do STF já preconizava: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.”

    Esse entendimento foi incorporado ao art. 1.034 do novo CPC (Lei n. 13.105/2015), estabelecendo o caput que, “[a]dmitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça julgará o processo, aplicando o direito”.

    Continue lendo o artigo completo.

     

     

     

     

     


     

    [1] Criado pela Constituição Cidadã de 1988, foi idealizado para que suas decisões pudessem influenciar positivamente todos os aspectos da vida cotidiana das pessoas. Por isso, é conhecido como “Tribunal da Cidadania”.

    [2] Em 1940, o STF recebeu 2.211 recursos e julgou 1.807. Em 1987 (antes da instalação do STJ), recebeu 18.788 e julgou 20.122. No segundo semestre de 2007 (data da repercussão geral), a distribuição batia a casa dos 45.690 recursos. Em 2017, foram distribuídos 54.223 (mais do que o dobro do que havia em 1987, quando já se decantava a crise do recurso extraordinário).

    [3] Disponível em:  http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rdpcp/article/view/59662/58007

    [4] Conforme a nova redação do parágrafo único do art. 104 da CF/1988 conferida pela Emenda Constitucional n. 122, de 17 de maio de 2022. Antes da referida emenda, o requisito etário para nomeação era contar com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos.

    [5] MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da Corte Suprema. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 158.

    [6] Exposição de Motivos/MJ n. 204, de 15 de dezembro de 2004, publicada no Diário Oficial da União de 16/12/2004, Seção 1, p. 8.

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