Artigo: "Por que ainda precisamos do dia 8 de março e o Poder Judiciário"

    Artigo originalmente publicado pelo Estadão | Por Marcelle Ragazoni Carvalho Ferreira

    Na semana passada a cidade de São Paulo parou em virtude do desabamento de uma obra da linha 6 do Metrô, abrindo uma cratera na Marginal Tietê, onde, todos sabem, trafegam milhares de carros todos os dias.

    Mas o que me fez parar foi o teor de um vídeo que andou circulando pelas redes sociais, compartilhado inclusive pelo filho do Presidente da República e Deputado Federal Eduardo Bolsonaro, em sua conta no Twitter. Conforme veiculado pelo jornal O Estado de S. Paulo, o parlamentar relacionava o acidente com o fato de mulheres estarem diretamente envolvidas nas obras de construção da linha laranja do metrô de São Paulo.

    Vale dizer que o vídeo e os comentários foram rapidamente repudiados por homens e mulheres, mas o seu tom e o fato de ter sido produzido por si só deve chamar nossa atenção.

    Depois de 25 anos, fui a primeira mulher a ocupar a presidência da Ajufesp (Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul). O Tribunal Regional Federal da 3a Região, que abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, será presidido a partir de março por uma mulher, a Desembargadora Federal Marisa Santos, e outras cinco desembargadoras já ocuparam esse posto anteriormente.

    Assim, se poderia dizer, sim, as mulheres conquistaram a igualdade de direitos com os homens, estão hoje onde nunca estiveram antes.

    Parece simples, mas não é. Não é igual, mesmo quando chegamos lá.

    Ocupamos o mercado de trabalho, mas continuamos ocupadas com os afazeres domésticos, em caráter quase de exclusividade, com algumas poucas exceções. Somos ainda responsáveis na imensa maioria dos lares brasileiros, das classes mais altas às mais pobres – e nesses casos com muito mais dificuldade – dos cuidados com o lar, de maneira ampla, o que inclui cozinhar, limpar, lavar roupas, passar, cuidar dos filhos, do marido, ou simplesmente pensar em como isso será feito, tarefas que passam longe das mentes masculinas.

    Apesar de toda a carga de trabalho que assumimos, em casa e fora dela, física e mentalmente, nosso trabalho em geral se mantém desvalorizado, sendo pior remunerado que o dos homens.

    No Judiciário, ainda que a remuneração seja a mesma, as mulheres têm muito mais dificuldades em se promover na carreira e as dificuldades são maiores quanto mais alta a instância judicial.

    A mulher enfrenta preconceitos e assédios por todas as razões: por ser jovem, por ser mais velha, por ser casada, por ser solteira, por ter filhos, por optar não tê-los, por priorizar o trabalho, por priorizar a família, por ganhar mais que o marido, por depender dele. Lidar com todas essas questões e conciliar com o trabalho não é tarefa fácil.

    Senão, como explicar o ainda reduzido número de mulheres nos Tribunais Superiores e mesmo no Segundo Grau do poder Judiciário? E na política? E no comando das grandes empresas?

    O Poder Judiciário, dentro dos seus limites, deve exercer seu papel de guardião da igualdade concreta.

    Internamente, deve buscar alcançar a igualdade na composição dos Tribunais, das comissões, bancas de concurso, cargos de direção. Uma Justiça plural compreende melhor a pluralidade da sociedade.

    As juízas e juízes, no exercício de seu mister, devem voltar seu olhar às questões de gênero e entender como essas questões impactam no acesso à

    justiça e no próprio resultado final do julgamento. A importância de se colocar no lugar do outro – no caso, da outra. Somente assim é possível compreender o contexto e garantir a equidade, o equilíbrio entre as partes, ao invés de reforçar estereótipos e preconceitos.

    A obra não desmoronou porque foram contratadas mulheres ao invés de homens. Desmoronou porque houve um problema, que deverá ser solucionado pelas autoridades competentes. Por ora, nosso problema a ser resolvido é a desigualdade de tratamento; são os estupros, são os assédios, são os salários reduzidos; o excesso de funções atribuídas às mulheres.

    Enquanto esses não forem resolvidos, precisaremos do dia 8 de março.

    *Marcelle Ragazoni Carvalho Ferreira, juíza Federal e presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp)

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