Artigo: BPC e o peso indevido sobre a Justiça Federal

Por Caio Marinho, presidente da Ajufe | Originalmente publicado pela Folha de S. Paulo

Não é verdade que magistrados estejam concedendo benefícios fora dos critérios legais; há de se observar a ineficiência da assistência social no país

Nas últimas semanas, tem ganhado espaço um discurso de que a Justiça Federal seria responsável pelo aumento das despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Trata-se de narrativa distorcida, que escancara uma estratégia política simplista e descomprometida com a verdade: transferir ao Judiciário a culpa pela ineficiência estrutural da política de assistência social no país.

Não é verdade que magistrados estejam concedendo benefícios fora dos critérios legais. As decisões judiciais apenas aplicam o ordenamento jurídico, com base nas provas dos autos e na proteção da dignidade da pessoa humana. E os números demonstram isso de forma clara. Segundo levantamento do Painel do INSS no Justiça em Números, dos casos levados ao Poder Judiciário, 77% das decisões são favoráveis ao que defende o INSS, aqui incluídas as decisões improcedentes, sentenças extintivas, homologações de acordo ou outro fundamento que não acolha a pretensão da parte autora.

Uma análise precisa sobre o problema da judicialização dos benefícios assistenciais exige observar o crescimento dos números de acordos celebrados judicialmente. Em 2020, foram 9.715 homologações. Em 2024, esse número saltou para 72.079, um aumento superior a sete vezes. Isso mostra que há um volume relevante de benefícios que só são reconhecidos após a intervenção judicial —o que suscita reflexões sobre o funcionamento da via administrativa. 

Outro dado relevante é que o percentual de decisões favoráveis ao jurisdicionado tem diminuído. Em 2020, 29% dos processos resultaram em concessões judiciais; em 2024, foram 23%. Ao mesmo tempo, as decisões improcedentes passaram de 31% para 36%, o que reafirma a postura técnica, prudente e fundamentada da magistratura federal.

O crescimento da judicialização, por outro lado, está ligado a fatores estruturais. A administração enfrenta dificuldades conhecidas: déficit de pessoal, represamento de perícias sociais e prazos muitas vezes incompatíveis com a realidade de quem vive em situação de vulnerabilidade. Entre 2020 e 2024, os processos judiciais relacionados ao BPC quadruplicaram —de 121 mil para 485 mil. Trata-se de uma resposta direta da população à morosidade no atendimento de demandas sociais urgentes.

Nesse contexto, é importante destacar iniciativas recentes que reforçam o compromisso do Judiciário com a melhoria dos serviços prestados. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em colaboração com a Justiça Federal e a partir de um processo técnico e institucional, padronizou a quesitação da perícia nos benefícios assistenciais, uniformizando ainda mais a atuação do Judiciário federal. Essa medida evidencia o contínuo esforço pelo aprimoramento e eficiência no tratamento dessas demandas. Demonstra, ainda, que é incorreto e injusto atribuir ao Judiciário a responsabilidade por eventuais distorções ou custos do sistema.

A Justiça Federal não cria benefícios nem altera regras. Cumpre sua missão constitucional: julgar os casos concretos com base nas leis vigentes —seja para garantir o direito do cidadão diante de omissões ou falhas administrativas, seja para confirmar decisões corretas da administração pública.

A judicialização do BPC é consequência, não causa. E apontar o Judiciário como responsável pelo aumento de despesas públicas não contribui para o enfrentamento dos verdadeiros desafios.

A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) permanece comprometida com o diálogo institucional e com a construção de soluções que fortaleçam a proteção social no Brasil. Superar os gargalos da política assistencial exige cooperação entre os Poderes, investimentos estruturantes e foco no cidadão. Evitar simplificações e buscar soluções efetivas deve ser o caminho comum.

 
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