Seminário abre debate sobre relação do Judiciário e o racismo estrutural

    Matéria originalmente publicada pela Agência CNJ de Notícias, escrita por Jeferson Melo.

     

    Ao abordar o racismo estrutural presente na sociedade brasileira, o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, afirmou que o Poder Judiciário está atento e atuando para atender às demandas por igualdade da população negra. “Muitas vezes, não existe uma vontade deliberada de discriminar, mas se fazem presentes mecanismos e estratégias que dificultam a participação da pessoa negra nos espaços de poder”, declarou, durante a abertura do Seminário Questões Raciais e o Poder Judiciário, nesta terça-feira (7/7).

    O evento virtual – cuja abertura foi transmitida pelo YouTube e atraiu mais de 2.200 pessoas – prossegue até a manhã desta quarta-feira (8/7), quando será instituído um Grupo de Trabalho sobre Igualdade Racial no Poder Judiciário. Ao abrir o seminário, o ministro Dias Toffoli citou dados de diversas pesquisas que confirmam que os níveis de vulnerabilidade econômica e social são maiores na população negra. Entre os exemplos, Toffoli relatou a prevalência de negros na população carcerária brasileira, o maior número de negros vítimas de homicídios e de negras vítimas de violência doméstica e a desigualdade racial no mercado de trabalho.

    Ele enfatizou que o quadro de subrepresentatividade constatado em todos os setores também se projeta na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, como demonstra a pesquisa sobre o Perfil Sociodemográfico dos Magistrados, realizada pelo CNJ em 2018. O levantamento mostrou que apenas 18,1% dos magistrados brasileiros se declaravam negros ou pardos e que, do total de juízes brasileiros Brasil, somente 6% são mulheres negras. “É preciso corrigir esse cenário, promovendo a plena e efetiva igualdade de direitos entre negros e não negros”, conclui.

    Sobre o evento, Toffoli destacou a relevância da reunião de magistrados, servidores do Poder Judiciário, operadores do direito e membros da sociedade civil para refletirem sobre a questão racial no Brasil, em particular no âmbito do Judiciário. “A diversidade de conhecimentos e a troca de experiências são essenciais para que, juntos, encontremos caminhos que reduzam a desigualdade racial e impulsionem a construção de uma sociedade mais justa, plural e igualitária, conforme preconiza a Constituição de 1988.”

     

    Processo histórico

    O reitor do Instituto Afrobrasileiro de Ensino Superior Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, abordou o processo histórico que colocou os negros na invisibilidade, lembrou que esse processo se iniciou na colonização do Brasil e afirmou que ele se reflete nos dias atuais. “[Reflete-se] Numa sociedade onde são os negros a maioria dos miseráveis, dos pobres, dos desempregados, dos que recebem até metade dos salários pagos aos brancos. São os negros e jovens negros a maioria daqueles vitimados nos homicídios e na ação letal das forças policiais e da ação diária dos agentes das forças privadas nos shoppings, nos bancos e nos supermercados”, afirmou, destacando ainda que não existem racistas presos pela lei de combate ao racismo.

    Já o coordenador-executivo do Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (Enajun) e juiz do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), Edinaldo César Santos Junior, tratou da subrepresentatividade do negro no Poder Judiciário e ressaltou que o fato motivou a criação do Enajun. “Estamos aqui porque acreditamos em mudanças. É o momento de descolonizar pensamentos e fazer, como pessoas negras, o nosso próprio destino.”

     

    Representatividade

    Em sua fala, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, mencionou números do IBGE, extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, que demonstram que a população de cor ou raça preta e parda representa 55,8% do total.

    Dessa forma, segundo Martins, o Poder Judiciário não pode se excluir a esse debate e deve fazê-lo de forma ampla, aberta e transparente, visando trazer à luz os mesmos traços do racismo institucional que está arraigado nas estruturas de poder e buscar, de forma efetiva, a construção das referidas ações afirmativas como uma resposta real na tutela dos direitos desses grupos estigmatizados.

    Ainda para enriquecer os debates, o ministro retomou os dados de pesquisas realizadas pelo CNJ (2013 e 2019), realizadas entre juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores, que mostram que 76% dos magistrados que ingressaram na carreira, a partir de 2011, se declararam brancos. “É exatamente este dado de 76% que, comparado aos anos anteriores, não parece apresentar a mudança esperada pela Resolução n. 203/2015 [que instituiu cotas para ingresso de negros na magistratura], na medida em que a evolução para o índice de 80,3% de magistrados brancos do levantamento de 2018 parece vir na contramão da direção que se pretendia ao se estabelecer as cotas no Judiciário. Esta é a minha provocação para incentivar ainda mais o debate dos grandes especialistas deste seminário.”

    Participaram da abertura do evento o procurador-geral da República (PGR), Antônio Augusto Aras, o vice-presidente de Prerrogativas da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Ney Alcântara, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Eduardo André Fernandes, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, a presidente do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), Maria José Silva Souza Nápoles, e a coordenadora-executiva do Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (Enajun) Adriana Meireles Melonio (juíza do TRT 1a Região), além dos conselheiros do CNJ Tânia Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice Jobim, Flávia Pessoa, Maria Cristiana Ziouva, Ivana Farina e André Godinho.

     

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