Juízes federais estão cortando na carne há muito tempo, diz novo presidente da Ajufe

     

    Depois de participar das três últimas gestões da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), que estiveram sob a presidência de Antônio César Bochenek, Roberto Veloso e Fernando Mendes, respectivamente, Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, 49 anos, foi empossado no último dia 3, virtualmente, como novo presidente da associação que reúne cerca de 2 mil juízes federais.

    Juiz na 2ª Região (RJ e ES), diz que o principal objetivo de sua gestão é atuar "para resolver a situação remuneratória dos juízes federais". "Não podem continuar sendo em valores tão inferiores a juízes e promotores estaduais e a outras carreiras jurídicas."

    Para Brandão, "os juízes federais já estão cortando na carne há tempos, uma vez que só têm tido revisões remuneratórias de quatro em quatro anos, em clara afronta do texto constitucional, que prevê a revisão anual, de forma semelhante às carreiras da iniciativa privada".

    Formado pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e mestre em Jurisdição Administrativa pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Brandão disse à ConJur acreditar que as instituições seguem funcionando plenamente.

    "Entendo que o Brasil precisa de estabilidade e tranquilidade, e isso tem que ser defendido de forma intransigente por todos os Poderes. Mas, apesar de turbulências pontuais, não acredito que a democracia esteja correndo riscos."

     

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista feita por e-mail. 

     

    ConJur — Quais são os pilares de sua gestão?
    Eduardo Brandão — O primeiro deles é atuar para resolver a situação remuneratória dos juízes federais que não podem continuar sendo em valores tão inferiores a juízes e promotores estaduais e a outras carreiras jurídicas. Com a pandemia, obviamente que não será possível qualquer revisão de subsídios até o final de 2021, mas a realidade tem que ser mostrada para toda a sociedade com total transparência.

    Também vamos rever a nossa relação com o Congresso, pois nos últimos tempos temos visto diversos projetos tramitando com o intuito de limitar a independência judicial e tirar nossa liberdade de decidir. Os juízes federais sempre pautaram suas decisões pelo equilíbrio, imparcialidade e com base nas leis, nas provas e no livre convencimento.  

    Ainda no legislativo, precisamos da aprovação do Fejufe [fundo de custas da Justiça Federal], que é uma regra prevista na Emenda Constitucional 45, de 2003, e que, desde então, vem sendo cumprida pelas justiças estaduais. Não há nenhum sentido que, em 2020, a Justiça Federal não tenha o mesmo tratamento. A EC 95, que criou o teto de gastos, reduziu muito nosso investimento em estrutura. A aprovação do Fejufe, que não pode ser utilizado para despesas de pessoal, nos permitirá a manutenção dos nossos serviços jurisdicionais para a população.     

    ConJur — Com a adoção do home office e dos julgamentos virtuais, muitos tribunais anunciaram ganho de produtividade. Do que tem sido experimentado neste momento, o que pode ficar para depois do fim da pandemia do novo coronavírus?
    Brandão — Em primeiro lugar, precisamos destacar o acerto do investimento e desenvolvimento do processo eletrônico, que tem permitido o atendimento ao público até com ganho de produtividade em alguns casos. Vale lembrar que a lei que trata da informatização do processo judicial partiu de uma sugestão da Ajufe e foi aprovada pelo Congresso.  

    Na minha visão, as teleaudiências para depoimentos de testemunhas e de partes, para aqueles que residam em locais distantes das varas, e as sessões virtuais, principalmente nos tribunais superiores e na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e, ainda, nos tribunais regionais federais, vieram para ficar, pois tornam os processos ainda mais rápidos e simplificados para os advogados.

    É incrível constatar que o processo eletrônico tenha nos permitido uma maior universalização da Justiça em um momento tão delicado.   

    ConJur — Uma espécie de "fordismo" na Justiça, com ganho de produtividade, pode transformar complexas pendências judiciais em meta de produção?
    Brandão — De forma alguma. As metas existem para dar uma direção, tentar criar uma rotina mais efetiva, mas o elemento humano, a liberdade fundamentada do juiz, esta é insuperável e jamais pode ser reduzida ou desvalorizada. O ganho de produtividade contribui para atingir a tão propagada duração razoável do processo.

    ConJur — Uma grave crise econômica chegou logo depois de outra, iniciada em 2015. A iniciativa privada novamente tem cortado na carne. Com exceção de algumas câmaras municipais, que cortaram salários e verbas de gabinete em 30%, e tribunais que remanejaram recursos para o combate à Covid-19, muito pouco tem se discutido sobre redução dos custos das folhas de pagamentos nos três poderes. Algo mais poderia estar sendo feito?
    Brandão — Os servidores públicos federais já vêm sofrendo, há bastante tempo, com a falta de revisão anual dos seus vencimentos, corroídos de forma explícita pela inflação. Ao contrário dos servidores estaduais e municipais, nós sofremos com uma reforma da previdência que instituiu novas e confiscatórias alíquotas. Entendendo esse contexto, mesmo com essas condições adversas, os magistrados federais vêm trabalhando normalmente, até com ganho significativo de produtividade.

    Na verdade, os juízes federais já estão "cortando na carne" há tempos, uma vez que só têm tido revisões remuneratórias de quatro em quatro anos, em clara afronta do texto constitucional, que prevê a revisão anual, de forma semelhante as carreiras da iniciativa privada.

    ConJur — Ano passado o CNJ editou resolução para definir o que magistrados podem ou não postar em suas redes sociais. Faz sentido?Brandão — Nós temos uma grande preocupação com essas medidas restritivas, pois juízes e juízas são cidadãos que podem criticar medidas tomadas pelas diferentes esferas de poder ou mesmo críticas relativas a costumes, desde que mantenham a imparcialidade.

    Limitar a liberdade de expressão dos magistrados é algo que nos preocupa muito, até pelo número insignificante de publicações que realmente poderiam gerar tais regras.

    ConJur — Qual o posicionamento do senhor acerca da criação de novos TRFs? O TRF-6 vem em boa hora?
    Brandão — A ampliação da Justiça Federal é essencial e urgente. Tanto pela criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, bem como pela ampliação dos demais TRFs. Atendemos diariamente uma demanda imensa, e que só tem aumentado. É importante ressaltar que a Justiça de 1° grau teve um crescimento substancial para atender essa realidade e os TRFs não acompanharam.

    O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, tem 180 desembargadores, enquanto os cinco tribunais regionais federais juntos não chegam a 140 para atender o país inteiro, e julgando matérias importantíssimas, como os casos de corrupção e crimes transnacionais. Se compararmos então com a quantidade de desembargadores da Justiça do Trabalho, a desigualdade fica ainda mais absurda.

    ConJur — Para uma boa prestação jurisdicional, quantos juízes federais são necessários atualmente?
    Brandão — 
    Na primeira instância entendo que, apesar de muitas vagas existentes, estamos conseguindo atender a demanda nacional. O problema é na segunda instância e, por isso, a urgente necessidade de ampliação dos TRFs e a criação do TRF da 6ª região.

    O que precisamos na primeira instância é tornar a carreira mais atrativa, pois ela vem perdendo muito nos últimos anos, tanto nas questões remuneratória, nas prerrogativas, como também pela queda na estrutura da Justiça Federal, com os recentes e drásticos cortes orçamentários.   

    ConJur — Uma pauta antiga e ruidosa trata das férias de 60 dias aos magistrados. Qual a opinião do senhor sobre o assunto? Deve ser mantido?
    Brandão — Na verdade, é uma reação de alguns setores da sociedade aos juízes, como se apenas nós tivéssemos este direito. Parlamentares com os recessos, promotores, procuradores, professores, além de diversas outras carreiras também são contemplados com duas férias anuais e acabam sendo praticamente esquecidos neste tema, pois existe uma certa fixação em atacar a magistratura.

    Defendo que esse direito seja mantido, sim. A carreira vem sofrendo uma desvalorização sistemática, onde os juízes são sempre apontados como privilegiados quando recebem as mesmas condições de outras carreiras.  

    ConJur — O juiz da execução penal foi criado para distanciar o juiz-sentenciante daquele que condenou na hora de avaliar progressão de pena. No entanto, as reclamações sobre o punitivismo continuam. O juiz de garantias pode seguir o mesmo caminho?
    Brandão — Os juízes cumprem o arcabouço legal produzido pelo Poder Legislativo, que é formado pelos representantes do povo. Nenhum magistrado inventa execução penal ou qualquer outra medida, eles interpretam a lei. Assim como temos reclamações quanto ao excesso de punitivismo, também temos de que as leis são brandas ou complacentes demais.

    ConJur — Juízes, desembargadores e ministros devem responder por ações judiciais na primeira instância?
    Brandão — Só há foro privilegiado para crimes, e a posição histórica da Ajufe é contra este. Nas demais searas (civil, trabalhista e família, por exemplo), os magistrados já respondem as ações na primeira instância há um bom tempo. Portanto, não há essa prerrogativa por força da função.

    ConJur — A maioria dos juízes federais sempre apoiou o ex-juiz Sergio Moro e o combate à corrupção. Hoje sabemos que esse combate ocorreu à custa de transgressões da lei e relacionamentos questionáveis com a imprensa. Um dos resultados é a atual crise institucional. A Ajufe faria um mea-culpa?
    Brandão — Não há o menor cabimento em se falar em mea-culpa por conta do combate à corrupção. A sociedade brasileira apoia a investigação, denúncia e punição daqueles que assaltam os cofres públicos. A Ajufe sempre defendeu a independência judicial e não o mérito das decisões.

    Infelizmente, com a "lava jato", a imagem dos juízes federais também passou a ser alvo de ataques absurdos e aí foi necessário fazer uma defesa mais incisiva desses magistrados.

    Hoje, todos se assustam com os ataques pessoais, com a propagação de notícias falsas, aos ministros do STF, e isso infelizmente foi inaugurado pela reação aos juízes da "lava jato". 

    ConJur — O populismo entrou pela sociedade afora. Impulsionou a "lava jato" e o punitivismo. Elegeu Bolsonaro e os bolsonaristas. Como o senhor examina esse itinerário?
    Brandão — Não tenho dúvidas que população brasileira condena a corrupção e o mau uso do dinheiro público. Esta realidade ficou clara no apoio à operação "lava jato" e no resultado das eleições com a vitória daqueles que primeiro adotaram o discurso de combate à corrupção.

    O que é apontado como populismo, não começou nas últimas eleições. Jair Bolsonaro e Lula foram eleitos pelos seus respectivos carismas e pelos discursos moldados para atingir os eleitores, sobretudo os ideológicos e os de mais baixa renda.

    ConJur — Além da paridade entre MP e magistrados, reivindicação antiga da Ajufe, quais alterações o senhor entende necessárias na Loman?
    Brandão — Há a necessidade de um regime previdenciário único para a magistratura. Se ela é nacional, de acordo com a ADI 3.854, não poderia o juiz estar sujeito à regras diferenciadas em relação aos benefícios e requisitos para a aposentadoria conforme o estado em que atuar ou se a atuação dele é na União.

    ConJur — O senhor acha que nossa democracia corre riscos? Propostas, como a discussão em torno do projeto de lei das "fake news", são bem vindas?
    Brandão — Acho que as instituições estão funcionando plenamente. Entendo que o Brasil precisa de estabilidade e tranquilidade, e isso tem que ser defendido de forma intransigente por todos os Poderes. Mas, apesar de turbulências pontuais, não acredito que a democracia esteja correndo riscos.

    Certamente, me preocupo com a intolerância crescente na sociedade contra opiniões, pessoas ou decisões judiciais. Como as fake news ganharam uma relevância impressionante com as redes sociais, é conveniente e oportuna a discussão no Congresso sobre um projeto de lei para regular a matéria.

    É preciso exercitar a harmonia e cultivar o respeito mútuo entre os poderes. Além disso, é fundamental respeitar a liberdade de expressão e, sobretudo, a liberdade de imprensa, valores fundamentais para a democracia.

     

    Fonte: Matéria escrita por Emerson Voltare, publicada pelo ConJur.

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